A participação feminina nas cooperativas brasileiras

Marianna Ferraz Teixeira

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Hoje, dia 8 de março, celebra-se mundialmente o Dia das Mulheres, data escolhida pela ONU, na década de 70, para simbolizar a luta feminina pela igualdade de gênero. Trata-se, portanto, de um momento de reflexão quanto às desigualdades e à violência sofridas pelas mulheres ao longo de tantos anos e que ainda se fazem presentes em nossa sociedade.

Ainda que as mulheres não sejam retratadas com tanta intensidade como os homens nos feitos históricos que nos são contados, é inegável que elas participaram de muitos momentos e movimentos que transformaram o mundo desde o surgimento dos seres humanos na terra e isso não seria diferente com o movimento cooperativo. Dentre os 28 membros fundadores da Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, a cooperativa marco do movimento cooperativista, havia uma mulher.

Essa cooperativa era regida por valores e princípios que são aplicados ao cooperativismo até os dias atuais e, graças à Aliança Cooperativa Internacional, referidos princípios encontram-se formalizados, a fim de orientarem as sociedades que se constituam conforme os ideais dos pioneiros, de forma a manter uma identidade única.

O primeiro desses princípios, conhecido como o princípio da adesão voluntária e livre (ou princípio das portas abertas) diz que as cooperativas são organizações voluntárias e abertas a qualquer pessoa que tenha interesse em delas participar e que sejam capazes de utilizar os serviços, aceitando, para tanto, as responsabilidades associativas, sem que haja discriminação de sexo, de raça, social, política ou religiosa.

Segundo o professor Ian MacPherson (1996), esse princípio reafirma um compromisso fundamental do cooperativismo ao reconhecer a dignidade fundamental dos indivíduos, sem propagar qualquer tipo de discriminação.

Além disso, para que essa diretriz seja posta em marcha, essas entidades devem promover ações afirmativas a fim de assegurar que não haja impedimentos à filiação em razão do sexo, bem como que haja participação em igual número de mulheres e homens nos programas de educação e liderança.

Assim, tendo em vista que um dos objetivos do primeiro princípio é garantir a participação equitativa das mulheres e homens dentro das cooperativas, cabe-nos questionar se ele tem sido efetivamente posto em prática.

Ao analisar o Anuário do Cooperativismo Brasileiro de 2021, é possível vislumbrar que em 2020 40% dos 17.121.076 cooperados são mulheres, tendo havido um aumento de 2% com relação ao ano anterior.

O ramo com maior número de cooperadas é o da saúde, que possui 53% do seu quadro social composto por mulheres, enquanto o ramo com a menor participação feminina é do transporte, com apenas 8% de membros do sexo feminino.

O anuário destaca que um dos desafios da participação feminina está na liderança, uma vez que no ano de 2020 apenas 17% das cooperadas ocupavam os cargos de presidência e vice-presidência das cooperativas brasileiras. A maior participação feminina nesses cargos é encontrada no ramo trabalho, produção de bens e serviços, que possui 37% de mulheres no cargo de presidente e 39% no cargo de vice-presidente. Por sua vez, o ramo do transporte conta com a menor participação dentre todos os ramos, com 9% de mulheres presidentes e 5% vice-presidentes.

Esse desafio corresponde aos anseios da Agenda 2030 da ONU, uma vez que o quinto objetivo de desenvolvimento sustentável é exatamente alcançar a igualdade de gênero e empoderar mulheres e meninas por intermédio de algumas ações, como, por exemplo, acabar com a discriminação, eliminar as formas de violência nas esferas público e privadas, garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública e adotar e fortalecer políticas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas.

Mas, por quais razões existe uma dificuldade em alcançar a paridade nos cargos de liderança das cooperativas?

Uma das razões para que isso ocorra decorre do sexismo institucionalizado existente na sociedade brasileira desde a colonização. Às mulheres sempre foi destinado o papel de esposa, mãe e dona de casa. O espaço público não é uma opção, mas sim o âmbito doméstico. Esse fato é tão notório que segundo dados do IBGE de 2018, constatou-se que as mulheres trabalham três horas a mais por semana que os homens, combinando o trabalho remunerado, o serviço doméstico e o cuidado para com as pessoas.

O fato de as mulheres se responsabilizarem por uma carga maior de trabalho em casa e com os cuidados dos filhos e familiares, sobretudo aqueles enfermos, faz com que muitas delas desistam de galgar cargos que exijam uma maior responsabilidade e dedicação.

Além disso, a perpetuação da ideia de que as mulheres se destinam ao âmbito doméstico/familiar concretiza a noção estereotipada de que elas não são suficientemente capazes para ocupar cargos diretivos e não haja, por isso, o apoio necessário para almejarem tais posições, fazendo com que sejam raros os exemplos de mulheres em cargos de liderança e esse é um dos fatores que mais as influenciam.

Segundo o Estudo sobre a Liderança Feminina em 2015, realizado pela empresa de consultoria KPMG nos Estados Unidos, 67% das entrevistadas afirmaram que no aprendizado sobre liderança, as lições mais importantes vêm de outras mulheres, 88% alegaram que se sentiriam mais encorajadas se vissem mais mulheres em cargos de liderança, 86% concordaram com a afirmação de que “Quando veem mais mulheres em posições de liderança, elas seriam encorajadas a alcançarem essas posições”, enquanto 69% das entrevistadas concordaram que ter mulheres representando  posições de liderança sênior auxiliaria mais mulheres a almejarem esses cargos no futuro. Corroborando esses dados, o estudo realizado pela Fundação Rockfeller em 2016 apontou que 65% dos estadunidenses entendem ser importante que as mulheres que iniciem suas carreiras tenham mulheres líderes como modelos (Ghodsee, 2018).

Ainda que inúmeros estudos demonstrem o quão importante é a inclusão feminina nas empresas, sobretudo em posições diretivas, por aumentarem a receita, reterem talentos, melhorarem a credibilidade perante o público externo, tornarem o ambiente laboral mais saudável para trabalhar, o que os dados estatísticos demonstram é que ainda existe um longo caminho a ser percorrido nas cooperativas até que se tenha, de fato, uma paridade entre cooperados e cooperadas.

A fim de incentivar essa alteração de perspectiva, é imprescindível que haja estímulos e um deles se dá por intermédio da alteração das regras. Sendo assim, as cotas se tornam uma possibilidade viável para alcançar a paridade nas posições de liderança.

No entanto, para que essas mudanças sejam perenes, se torna essencial a alteração da consciência daqueles que pertencem ao quadro social e, para tanto, a observância do quinto princípio cooperativo (da educação, formação e informação) deve se fazer presente nas políticas internas de cada uma das sociedades cooperativas para a promoção da igualdade de gênero.

Assim, as cooperativas poderão exercer integralmente os valores a que se propõem e respeitar os princípios que as orientam, mostrando-se a melhor opção econômica para o desenvolvimento de atividades, por serem sociedades que respeitam a inclusão, promovendo a igualdade de seus membros em todos os âmbitos de sua organização.

Leia mais.

Referências bibliográficas

Ghodsee, K. R. (2018). Why women have better sex under socialism: and other arguments for economic independence. New York, Bold Type Books.

Lopez-Claros, A.; & Nakhjavani, B. (2018). Equality for women = prosperity for all: the disastrous global crisis of gender inequality. New York, St. Martin’s Press.

MacPherson, I. (1996). Princípios cooperativos para o século XXI. Lisboa, Instituto António Sérgio do Sector Cooperativo.

sobre o autor

Marianna Ferraz Teixeira

Mestre em em Gestão e Regime Jurídico-Empresarial da Economia Social pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto/Instituto Politécnico do Porto (ISCAP/IPP). MBA em Gestão de Cooperativas de Crédito pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito e Prática Processual nos Tribunais pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), mesma instituição de ensino em que se graduou em Direito.

Realizou cursos em Governance in Co-operatives pelo Canadian Centre for the Study of Co-operatives, em International Business Transactions pela Universidad Austral e em Tributação no Mercado Financeiro pela CNF e B3 Educação.

É membro do Instituto Brasileiro de Estudos em Cooperativismo (IBECOOP), da Comunidade Internacional de Advogados Cooperativistas (IUS Cooperativum) e do Grupo de Estudos em Direito e Regulação Financeira da Universidade de Brasília (GEFIN/UnB).

Idiomas: português, espanhol, inglês e francês.

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