A Lei Complementar n. 130/2009
A Lei Complementar n. 130, de 17 de abril de 2009, responsável por dispor a respeito do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, decorre da previsão constitucional, no artigo 192, de que o Sistema Financeiro Nacional, no qual se incluem as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares.
Mais de duas décadas depois da promulgação da Constituição Federal, a lei das cooperativas de crédito entrou em vigor e deixou patente a destinação destas sociedades a prestar serviços financeiros aos associados por meio da mutualidade, assegurando-lhes o acesso aos instrumentos do mercado financeiro, assim como as sujeitou, não só à legislação complementar própria, como também à legislação do Sistema Financeiro Nacional e à Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971.
Além disso, instituiu um rol de competências do Conselho Monetário Nacional, corroborando a competência regulatória do Banco Central do Brasil (Bacen), definiu o objetivo das cooperativas centrais de crédito e das confederações constituídas por cooperativas centrais de crédito e previu a possibilidade de implementação de regime de cogestão entre cooperativas de crédito e cooperativa central de crédito ou confederações constituídas por cooperativas centrais de crédito.
O grande avanço trazido pela vigência da LC n. 130/2009, desde o ponto de vista jurídico, foi o estabelecimento de norma específica sobre o cooperativismo de crédito, que deve guiar tanto a tomada de decisões judiciais ou administrativas como a implementação de políticas de apoio e incentivo ao movimento cooperativo de crédito.
É inegável que a Lei das cooperativas de crédito cumpriu seu papel, servindo de base para o crescimento veloz do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo na última década e para o fortalecimento do movimento cooperativo. De acordo com o Panorama do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo do Bacen, com data base de dezembro de 2019, o cooperativismo de crédito brasileiro contava com, aproximadamente 10,9 milhões de associados e R$274 bilhões em ativos totais, números 9,6% e 16,2% maiores do que os de 2018, respectivamente, mantendo o histórico de crescimento do setor.
Diante disso, questiona-se o porquê de a Lei Complementar, de apenas onze anos, precisar de ser alterada.
O Projeto de Lei Complementar n. 27/2020
Conforme consta na justificação que acompanha o Projeto de Lei Complementar n. 27/2020, de autoria do Deputado Arnaldo Jardim, a reforma visa ao preenchimento das lacunas e a correções das imprecisões jurídicas que “dificultam a interpretação e a aplicação prática” pelos operadores do direito, “fazendo-os recorrerem constantemente à Lei Geral do Cooperativismo 5.764/1971, não especial ao ramo de cooperativas de crédito e ao Código Civil”.
Ainda, o PLP n. 27/2020 propõe a modernização do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo ancorada em três aspectos:
- fomento de atividades e negócios;
- aprimoramento da organização sistêmica e promoção da eficiência do segmento; e
- aprimoramento da gestão e da governança do modelo.
A proposta legislativa deixa clara a intenção de que as mudanças possibilitem a ampliação da oferta de produtos com mais agilidade e modernidade aos cooperados, ao mesmo tempo que passem a atender de forma integral a demanda por crédito, especialmente das pessoas jurídicas associadas.
Hoje, do total de associados às cooperativas de crédito, 9,4 milhões são pessoas físicas e 1,5 milhão são pessoas jurídicas, aproximadamente. Com a plena satisfação da demanda das pessoas jurídicas, como se pretende, é certo que o país contará com o fortalecimento do empreendedorismo e, consequentemente, com a redução da desigualdade econômica e o aumento da competitividade no sistema financeiro nacional.
Espera-se, também, que as mudanças propostas conduzam as cooperativas de crédito na revolução tecnológica pela qual o Sistema Financeiro Nacional vem passando, com a chegada de novos atores, a modernização na forma de interação entre os tomadores de serviços e as instituições financeiras, bem como a origem de novos produtos.
No entanto, embora o legislador reitere a importância do respeito aos princípios do cooperativismo na exposição de suas razões, não há qualquer menção quanto à sua imperatividade no texto legal, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a Lei n. 12.690, de 19 de Julho de 2012, a Lei das Cooperativas de Trabalho (artigo 3º), ou até mesmo, com a Constituição da República Portuguesa (artigo 61º-2).
Essa seria a oportunidade não só de dar um passo à frente na consolidação da autonomia do Direito Cooperativo, mas de pôr fim ao desconhecimento quanto à subordinação do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo aos valores e princípios cooperativos internacionalmente reconhecidos e, principalmente, de encerrar, de forma definitiva, a hesitação em levá-los em conta na resolução de eventuais conflitos entre cooperativas de crédito, seus associados e o poder público.