Cooperativismo e inclusão de gênero

Marília Ferraz Teixeira

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A inclusão é o tema eleito pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI) para o Dia Internacional das Cooperativas de 2017. Apesar dos meses que distanciam o dia de hoje de julho, a celebração do dia das mulheres impõe a discussão sobre a participação delas no cooperativismo e como essa forma de associativismo pode contribuir para minimizar a desigualdade de gênero, colaborando para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU).

A quinta, das dezessete metas propostas pela ONU para 2030, é justamente a igualdade de gênero. Promovê-la conduz, também, à consecução de quase todos os demais propósitos. Isso porque as mulheres são  o grupo que mais sofre com os problemas que se pretende combater.

No Brasil, as mulheres ocupam pouco mais de 10% dos assentos no Congresso Nacional e, também, 10% das prefeituras, 12% dos conselhos municipais e sofrem duas vezes mais com o desemprego do que os homens, desigualdade ainda maior para as mulheres afrodescendentes (12,5%) se comparadas aos homens brancos (5,3%).

O mercado formal emprega somente um quarto das mulheres e, nele, a diferença salarial entre homens e mulheres é de 30%, em um contexto de um terço das famílias brasileiras chefiadas por mulheres, sendo metade delas monoparentais. Segundo relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 2015, o salário médio de uma mulher brasileira com nível superior corresponde a 62% da renda mensal de homens com a mesma escolaridade e, conforme a ONU, serão necessários mais de 70 anos para alcançar a equiparação salarial.

Aqui, as mulheres dedicam mais do que o dobro de seu tempo para as tarefas domésticas do que os homens e a taxa de feminicídio dobrou entre 1980 e 2011, colocando o Brasil em sétimo no ranking dos países com as maiores taxas deste tipo de crime. As estatísticas mostram que a violência doméstica se volta também contra o homem, que sofre especialmente com a violência verbal, mas ela está sumamente ligada ao gênero feminino. Enquanto a maioria dos homens morre nas ruas, vítima da violência urbana, as mulheres morrem pelo único e simples motivo de serem mulheres, em casa, vítimas dos homens que fazem parte das suas vidas.

Com o intuito de mudar a realidade da desigualdade de gênero, a ACI criou, em 1995, o Programa de Ação Regional para as Mulheres da América Latina e do Caribe, que incluía oito áreas estratégicas: (i) equidade de gênero; (ii) desenvolvimento econômico e social, levando em consideração a participação eqüitativa das mulheres nas decisões, nas responsabilidades e nos benefícios do desenvolvimento; (iii) eliminação da pobreza; (iv) igualdade de participação das mulheres nas tomadas de decisões, no poder, na vida privada e pública; (v) direitos humanos, paz e violência (vi) divisão de responsabilidades familiares; reconhecimento da pluralidade cultural da região; (vii) apoio e cooperação internacional e, por fim, (viii) acompanhamento efetivo por parte das organizações e instituições[i].

Mais de duas décadas depois, os mesmos planos permanecem atuais, visto que, ainda que tenham sido alcançados avanços no período, a mudança de padrões culturais tarda a se concluir. A pesquisa Gender equality and women’s empowerment in co-operatives – a literature review, publicada pela Aliança, aponta não haver conexão definitiva entre participação e empoderamento feminino envolvendo cooperativas, porque elas tendem a refletir as mesmas relações de poder existentes na sociedade na qual está inserida.

Estudos realizados pela Subsecretaria de Economia e Empresas de Menor Tamanho do Chile, no ano de 2015, concluíram que a participação feminina, nas cooperativas, se mostra equitativa e há uma alta porcentagem de mulheres em cargos de gerência se comparadas com a realidade de outros tipos empresariais. No entanto, a larga maioria dos cargos diretivos ainda é ocupada por homens, fato verificado em toda a América Latina.
Fica claro que, embora os princípios do cooperativismo não distingam homens e mulheres, as oportunidades alcançadas por elas ainda não são semelhantes. Há, contudo, evidências de resultados positivos de capacitação que levam mulheres cooperativistas a posições de liderança em campos dominados por homens (finanças, por exemplo), que permitem que as vozes de membros mulheres passem a ser ouvidas em reuniões ou que a diversidade de necessidades das mulheres comece a ser ouvida pelo Conselho de Administração.

De acordo com Jim Nussle, presidente e diretor executivo da Credit Union National Association (CUNA), nos Estados Unidos, sem a participação de mulheres nos cargos de liderança, as cooperativas financeiras não conseguirão manter vantagem competitiva, pois elas são responsáveis por controlar, de maneira global, US$12 trilhões de gastos discricionários de consumo[ii].

A despeito disso, suas queixas, no país citado, sobre serviços financeiros variam de falta de respeito a soluções gerais. A inclusão das mulheres em cargos de liderança neste tipo de instituição financeira poderia resultar na compreensão e conquista dessas associadas cruciais para o crescimento das cooperativas.

Algumas sugestões dadas pelo Sr. Nussle ao sistema de cooperativismo financeiro são também aplicáveis aos demais ramos em todo o mundo, como incentivá-las a assumir projetos visíveis e complexos em sua organização, incluí-las no planejamento sucessório e no desenvolvimento de Conselhos e liderança, além de certificar-se que as opções de candidatos a uma vaga aberta seja diversificada e encorajar quem já construiu carreira dentro do cooperativismo a ser mentor das mulheres que ainda não atingiram cargos de liderança.
No mesmo sentido, entende-se que as políticas internas de igualdade de gênero devem ser fortalecidas no ambiente cooperativo. Para tanto, faz-se necessário observar se os regulamentos internos favorecem a participação igualitária de ambos os sexos, garantindo a todos os mesmos meios de acesso aos benefícios que o pertencimento ao cooperativismo é capaz de produzir[iii].

É fundamental que a perspectiva de gênero seja o centro das avaliações do plano de cargos e salários, de modo que questões como a inclusão de ajuda de custo para o cuidado com os filhos, adoção de licença maternidade de 6 meses, considerando a importância do período de amamentação, bem como estímulo de estudos sobre a situação das mulheres e o histórico delas no cooperativismo passem a ser implementadas.

As cooperativas devem, ainda, fomentar a presença das mulheres nas suas Assembleias e incentivar a aprovação de políticas para a equidade de gênero. Ditas ações serão postas em prática, efetivamente, quando as cooperativas mudarem condutas e valores relativos à participação da mulher, permitindo sua maior atuação, inclusive no que tange à ocupação igualitária de mulheres e homens na administração, fiscalização e direção das cooperativas, comprometendo-se, assim, com a consecução do princípio de associação livre e voluntária, uma vez que essas sociedades oferecem espaço para todos, independentemente de raça, gênero, cultura, origem social ou condição econômica, para que seus associados, além de satisfazerem suas necessidades, construam uma comunidade melhor.

Referências

[i] DALLER, Vera Lúcia de Oliveira. O Empoderamento da Mulher e a Igualdade de Gênero: Coopergênero uma Política Pública de Cooperativismo. Disponível em http://www.fearp.usp.br/cooperativismo/29.pdf. Acesso em 07 mar. 2017.

[ii] Disponível em http://www.thenews.coop/114409/news/co-operatives/six-tips-credit-unions-promote-women-leaders/. Acesso em 7 mar. 2017.

[iii] Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Gênero, cooperativismo e associativismo : coopergênero, integrando a família cooperativista / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo. – Brasília : Mapa/ACS, 2012.

Publicado originalmente na Confebras.

sobre o autor

Marília Ferraz Teixeira

MBA em Gestão de Cooperativas de Crédito pela Universidade de São Paulo (USP). Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Cursou mestrado em Direito Penal na Universidad Austral, na Argentina, e Programa de Direito Bancário e Finanças Corporativas, na mesma instituição. Cursou especialização em Direito Penal Econômico, na Universidade de Coimbra.

Foi gerente de desenvolvimento de cooperativas do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Distrito Federal (Sescoop/DF).

É membro do Instituto Brasileiro de Estudos em Cooperativismo (IBECOOP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), do Grupo de Estudos em Direito e Regulação Financeira da Universidade de Brasília (GEFIN/UnB) e da Comunidade Internacional de Advogados Cooperativistas (IUS Cooperativum).

É membro da Comissão de Direito Cooperativo da OAB/DF e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF. Foi secretária geral adjunta da Comissão de Direito Bancário da OAB/DF.

Idiomas: português, espanhol, francês, inglês e italiano.

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