Confederação de crédito X Confederação de serviço

Marília Ferraz Teixeira

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A primeira mudança substancial proposta pelo Projeto de Lei Complementar n. 27/2020 está em seu artigo 1º. Hoje, na Lei Complementar n. 130/2009, o dispositivo limita-se a declarar a submissão das instituições financeiras constituídas sob a forma de cooperativas de crédito tanto à Lei das cooperativas de crédito como à Lei geral cooperativista e à legislação do Sistema Financeiro Nacional (SFN), além de dar ao Conselho Monetário Nacional (CMN)  e ao Banco Central do Brasil (BCB) as mesmas competências legais que possuem diante das demais instituições financeiras. Por fim, proíbe a constituição de cooperativa mista com seção de crédito.

Assim escrito, o artigo 1º cumpriu a importante missão de sedimentar a compreensão de que cooperativas de crédito são instituições financeiras, reguladas pelos mesmos agentes responsáveis pela normatização, fiscalização e sanção dos demais atores do Sistema Financeiro Nacional. Dizimar, de vez, a dúvida quanto ao seu enquadramento no cenário do sistema financeiro permitiu ao cooperativismo de crédito percorrer o caminho de credibilidade e confiança percebido hoje.

Mantidas as disposições vigentes, o PLP n. 27/2020 busca ampliar a abrangência do artigo 1º da LC n. 130/2009, incluindo, expressamente, as confederações de serviço constituídas por cooperativas centrais de crédito no rol de submissão e competência previstos pela legislação complementar. 

Além disso, as define como confederações constituídas “exclusivamente por cooperativas centrais de crédito, para prestar serviços pertinentes, complementares ou necessários às atividades realizadas por suas filiadas ou pelas cooperativas singulares filiadas a essas cooperativas centrais, excluídos serviços e operações financeiras exclusivos das confederações de crédito”.

O artigo 1º, do PLP n. 27/2020, também detalha a concepção de cooperativa de crédito, para o fim da lei, incluindo, sob a mesma nomenclatura, as cooperativas singulares de crédito, as cooperativas centrais de crédito e as confederações de crédito constituídas por cooperativas centrais de crédito.

Todos os três níveis estão bem delimitados pela Lei n. 5.764/1971 e são aplicáveis a todos os ramos do cooperativismo. O primeiro nível trata-se das sociedades cooperativas constituídas pelo número mínimo de 20  pessoas físicas (ressalvadas as cooperativas de trabalho, que podem ser constituídas por 7 pessoas, por força da Lei n. 12.690/2012), sendo excepcionalmente permitida a admissão de pessoas jurídicas, e se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados. São as cooperativas singulares.

O segundo nível é composto por, no mínimo, 3 singulares e tem como objetivo organizar, em comum e em maior escala, os serviços econômicos e assistenciais de interesse das filiadas, integrando e orientando suas atividades, bem como facilitando a utilização recíproca dos serviços. Denominam-se cooperativas centrais. 

O terceiro nível, por sua vez, é formado por 3 cooperativas centrais e visa orientar e coordenar as atividades das filiadas, nos casos em que o vulto dos empreendimentos transcender o âmbito de capacidade ou conveniência de atuação das centrais e federações. Atribui-se a elas o nome de confederações.

Por sua vez, a Resolução n. 4.434/2015, do CMN, que dispõe sobre a constituição, a autorização para funcionamento, o funcionamento, as alterações estatutárias e o cancelamento de autorização para funcionamento das cooperativas de crédito, já utiliza a terminologia unificada para designar os três níveis de cooperativas e, ainda,  oferece detalhamento quanto à operacionalização de cada um deles.

De acordo com a norma infralegal, as confederações de centrais podem prestar, às cooperativas filiadas, serviços de caráter técnico, de administração de recursos de terceiros e de aplicação centralizada de recursos. 

No contexto da atribuição autorreguladora das confederações, elas são incumbidas de supervisionar o funcionamento das filiadas, verificando o cumprimento da legislação e da regulamentação em vigor, bem como das normas próprias do sistema cooperativo responsáveis por adotar medidas que assegurem o cumprimento das regras em vigor referentes à implementação de sistemas de controles internos e à certificação de empregados.

Ainda, são encarregadas de promover a formação e a capacitação permanente dos membros de órgãos estatutários, gerentes e associados, bem como dos integrantes da equipe técnica da confederação, assim como de recomendar e adotar medidas visando ao restabelecimento da normalidade do funcionamento, em face de situações de inobservância da regulamentação aplicável ou que acarretem risco imediato ou futuro.  

Portanto, não existiu, até o momento, qualquer subdivisão do conceito de confederação, tendo cabido à Lei Complementar confirmar a sua existência no quadro do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, em conformidade com a lei geral, e ao CMN especificar suas funções no ambiente do cooperativismo de crédito. 

No entanto, o PLP n. 27/2020 prevê situação já existente. Na prática, dentro do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, há confederações dedicadas à prestação de serviços financeiros e à realização de operações financeiras. Ao mesmo tempo, há confederações que não se incumbem destas tarefas, uma vez que fazem uso de serviços financeiros prestados por bancos cooperativos. 

Essas se encarregam, por exemplo, da representação sistêmica perante o poder público e o Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop), da organização e padronização de procedimentos, assim como da elaboração de planejamento estratégico, da coordenação da capacitação profissional e da gestão de pessoas.

As primeiras seriam o que o PLP n. 27/2020 intitula confederações de crédito, enquanto as segundas seriam as confederações de serviço.

Ambas, pela redação do artigo 12, §1º, da LC n. 130/2009, estavam sujeitas à fiscalização do BCB. Com o PLP n. 27/2020, passa a ser incontestável, também, a submissão das confederações de serviço à normatização do CMN. O principal ganho advindo disso é a subordinação mandatória das confederações, sejam elas de crédito ou de serviço, às regras de governança corporativa vigentes.

Ao mesmo tempo, resta a dúvida quanto à necessidade e à efetividade da classificação de confederações em crédito ou serviço. Não há lei ou norma prévias que façam dita divisão. A separação tampouco encontra respaldo na doutrina cooperativista ou em estudos promovidos pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI). E, ainda assim, as confederações, em geral, funcionam bem sem a criação de subclasses.

Para atingir o fim de garantir que as confederações, de crédito ou de serviço, como propõe o PLP n. 27/2020, estejam sob a tutela normativa do CMN e fiscalizatória do BCB, seria suficiente o cumprimento do seu artigo 2º,  que obriga as confederações de serviço existentes a solicitar autorização de funcionamento ao BCB no prazo de 180 dias, contados da entrada em vigor da nova Lei Complementar.

A manutenção de nomenclatura única para todas as confederações, mantendo a competência do CMN para dispor a respeito das respectivas atribuições e formas de funcionamento, e  impondo a todas a necessidade de solicitação de autorização ao BCB, teria a mesma efetividade, sem inovar na criação de subdivisões conceituais.

*Agradecimento especial ao Consultor do TFA, Marco Aurélio Bellato Kaluf, ao Professor  José Carlos Assunção, a Silvio César Giusti de Oliveira e a Cileane Arruda pelo rico debate e pelas valiosas contribuições na elaboração deste artigo.

sobre o autor

Marília Ferraz Teixeira

MBA em Gestão de Cooperativas de Crédito pela Universidade de São Paulo (USP). Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Cursou mestrado em Direito Penal na Universidad Austral, na Argentina, e Programa de Direito Bancário e Finanças Corporativas, na mesma instituição. Cursou especialização em Direito Penal Econômico, na Universidade de Coimbra.

Foi gerente de desenvolvimento de cooperativas do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Distrito Federal (Sescoop/DF).

É membro do Instituto Brasileiro de Estudos em Cooperativismo (IBECOOP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), do Grupo de Estudos em Direito e Regulação Financeira da Universidade de Brasília (GEFIN/UnB) e da Comunidade Internacional de Advogados Cooperativistas (IUS Cooperativum).

Foi secretária geral adjunta da Comissão de Direito Bancário, membro da Comissão de Direito Cooperativo e membro da 1ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF.

Idiomas: português, espanhol, francês, inglês e italiano.

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