A Resolução CMN n. 4.966/2021
A Resolução CMN n. 4.966, de 25 de novembro de 2021, dispõe sobre os critérios contábeis aplicáveis a instrumentos financeiros e para a designação e o reconhecimento das relações de proteção[1] pelas instituições financeiras e demais entidades autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (BCB).
A implementação da regulamentação vem na esteira da agenda BC+, dentro do pilar SFN Mais Eficiente, com a finalidade de reduzir assimetrias em relação aos padrões internacionais no que tange às demonstrações financeiras individuais de divulgação e aos documentos contábeis de remessa obrigatória ao BCB, como relatado na exposição de motivos da norma.
Na prática, a regulamentação institui mudanças significativas quanto à classificação, mensuração, reconhecimento e baixa de instrumentos financeiros e à provisão de perdas esperadas associadas ao risco de crédito. A partir de agora, passa a ser possível modificar o estágio de risco conforme a evolução da situação financeira. Isso autoriza as instituições financeiras a anteciparem perdas potenciais ao longo do tempo, calculando provisões baseadas na expectativa futura de perda.
A Resolução CMN n. 2.682/1999
A esse respeito, a Resolução CMN n. 2.682/1999, que definiu os critérios de classificação por mais de duas décadas, baseava-se em uma abordagem de perda incorrida. De acordo com esse modelo, o reconhecimento de perdas dependia de sinais concretos de inadimplência.
Para ele, as operações de crédito eram classificadas em categorias de risco crescentes, de AA a H, definidas a partir de informações internas e externas sobre a capacidade de pagamento dos tomadores. Apesar de ter cumprido seu papel, essa estrutura mostrava-se limitada pela natureza reativa de sua metodologia, que exigia a materialização dos eventos de crédito para a constituição de provisões.
As principais mudanças
Com a Resolução CMN n. 4.966/2021, houve uma transição significativa para o modelo de perda esperada. Essa abordagem permite que as instituições financeiras antecipem potenciais perdas, mensurando-as com base em estimativas preditivas. Tais prognósticos consideram variáveis macroeconômicas, o endividamento no Sistema Financeiro Nacional (SFN) e a capacidade futura de geração de caixa dos tomadores.
A adoção desse padrão, pode trazer um impacto inicial no aumento das provisões e possível volatilidade dos resultados financeiros. No entanto, também oferece maior transparência e previsibilidade aos balanços das instituições.
Alocação de instrumentos financeiros
De acordo com o art. 37, da Resolução CMN n. 4.966/2021, os instrumentos financeiros devem ser alocados observando-se os seguintes estágios:
I – no primeiro estágio:
a) os instrumentos financeiros que, no reconhecimento inicial, não sejam caracterizados como ativo financeiro com problema de recuperação de crédito; e
b) os instrumentos financeiros cujo risco de crédito não tenha aumentado significativamente após o reconhecimento inicial;
II – no segundo estágio:
a) os instrumentos financeiros cujo risco de crédito tenha aumentado significativamente em relação ao apurado na alocação original no primeiro estágio; e
b) os instrumentos financeiros que deixarem de ser caracterizados como ativo com problema de recuperação de crédito; e
III – no terceiro estágio, os instrumentos financeiros com problema de recuperação de crédito.
No ponto, a norma impõe a necessidade de se considerar a probabilidade de desembolsos futuros pela instituição, caso a contraparte garantida descumpra com a obrigação. Além disso, prevê que as destinações feitas inicialmente no terceiro estágio podem passar para o primeiro estágio. Essa transição será feita quando o instrumento financeiro deixar de ser caracterizado como ativo com problema de recuperação de crédito posteriormente.
Quando um instrumento financeiro for alocado no terceiro estágio, a instituição deve realocar os demais valores da contraparte no mesmo estágio na data-base do balancete relativo ao mês da alocação. Excepcionalmente, isso poderá deixar de ser feito caso um deles apresente risco de crédito significativamente inferior ao instrumento caracterizado como ativo com problema de recuperação de crédito em razão de sua finalidade ou natureza.
Diante dessas características, pode-se afirmar que a classificação dada pela Resolução CMN n. 4.966/2021 reconceitua a estrutura consolidada pela Resolução CMN n. 2.682/1999, que categorizava o risco das operações de crédito de “AA” a “H”.
Ainda, ao levar em conta a Regulação Prudencial vigente[2], a nova regulamentação poderia ser excessivamente onerosa para instituições financeiras de menor porte. Por isso, a Resolução CMN n. 5.146/2024 oportunizou às instituições enquadradas nos segmentos “S4” e “S5”, uma metodologia simplificada para a análise e contingenciamento do risco de crédito, de provisionamento e de suas demais consequências.
Da periodicidade
É importante mencionar que a alocação deve ser revista com a seguinte periodicidade:
- mensalmente, em face de atraso no pagamento de principal ou de encargos;
- a cada 6 meses para instrumentos de uma mesma contraparte cujo montante seja superior a 5% do patrimônio líquido da instituição;
- uma vez a cada 12 meses, para os demais instrumentos não abrangidos pelo disposto no item acima;
- sempre que novos fatos indicarem alteração significativa da qualidade de crédito, inclusive os decorrentes de alteração nas condições de mercado ou no cenário econômico; e
- quando o instrumento for renegociado.
Avaliação da perda esperada associada ao risco de crédito
Quanto à avaliação da perda esperada associada ao risco de crédito, as instituições deverão levar em conta, no mínimo, a probabilidade de o instrumento ser caracterizado como ativo com problema de recuperação de crédito. Igualmente, será objeto de análise a expectativa de recuperação do instrumento financeiro.
Dessa forma, para a qualificação de cada um dos dois fatores, serão observados o prazo esperado do instrumento financeiro, assim como a situação econômica corrente. Além disso, as previsões razoáveis e justificáveis de eventuais alterações nas condições econômicas e de mercado que afetem o risco de crédito do instrumento.
Adicionalmente, deverão ser considerados os custos de recuperação do instrumento, as características de eventuais garantias ou colaterais. Enfim, serão apreciados as taxas históricas de recuperação em instrumentos financeiros com características e risco de crédito similares e a concessão de vantagens à contraparte.
Da periodicidade
Do mesmo modo que ocorre com a avaliação da alocação de instrumentos financeiros, a estimativa da perda esperada associada ao risco de crédito deve ser revista, ao menos, a cada 6 meses, caso constituam-se instrumentos de uma mesma contraparte cujo montante seja superior a 5% do patrimônio líquido da instituição.
Nos demais casos, o reexame deverá acontecer a cada 12 meses ou sempre que novos fatos indicarem alteração relevante no risco de crédito do instrumento. Também, quando houver mudança significativa no valor provável de realização de garantias ou colaterais, quando existentes.
Conclusão
Em resumo, a Resolução CMN n. 4.966/2021 consolida avanços significativos na gestão do risco de crédito, promovendo uma abordagem mais criteriosa e dinâmica na estimativa de perdas esperadas. Ao estabelecer revisões periódicas e condicionadas a critérios objetivos, como a representatividade dos instrumentos financeiros em relação ao patrimônio líquido e a ocorrência de eventos relevantes, a norma reforça a necessidade de uma supervisão contínua e adaptativa.
Assim, esses mecanismos não apenas fortalecem a segurança e a transparência no sistema financeiro, mas também asseguram que as práticas de gestão de risco estejam alinhadas às melhores diretrizes internacionais. Essas características, consequentemente, contribuem para a estabilidade e a confiança no mercado brasileiro perante os players globais.
[1] Trata-se da contabilidade de hedge, definida pela Resolução CMN n. 4.966, de 25 de novembro de 2021, como a representação, nas demonstrações financeiras, da utilização de instrumentos financeiros para gerenciar exposições resultantes de riscos específicos que possam afetar o resultado ou os outros resultados abrangentes das instituições.
[2] De acordo com o Banco Central do Brasil, “a regulação prudencial é um tipo de regulação financeira que estabelece requisitos para as instituições financeiras com foco no gerenciamento de riscos e nos requerimentos mínimos de capital para fazer face aos riscos decorrentes de suas atividades e nos limites operacionais. O gerenciamento de riscos e os requerimentos mínimos de capital contribuem para que eventual quebra de uma instituição financeira não gere um efeito dominó no sistema financeiro e, em última instância, perdas para a sociedade como um todo. Esse efeito dominó é conhecido como risco sistêmico.
Os requisitos prudenciais não impedem necessariamente que uma instituição financeira enfrente dificuldades ou vá à falência, mas minimizam efeitos negativos de eventual encerramento das atividades de uma instituição financeira.
Para fins de cumprimento dos requerimentos prudenciais, as instituições podem ser consideradas de forma individual ou consolidada por meio de um conglomerado prudencial. A composição do conglomerado prudencial caracteriza-se por uma instituição líder que detém o controle de outras instituições financeiras, instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, instituições de pagamento, fundos de investimentos, além de outras entidades que realizem a aquisição de operações de crédito, inclusive imobiliário, ou de direitos creditórios.”
Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/regprudencialsegmentacao; Acesso em 05/01/2025.